O adeus a Dona Ivete

Conheci Dona Ivete há mais ou menos 4 anos. Ela era a mãe do meu marido, uma senhora vinda do sul do Brasil, viúva do Sr. Joaquim, um divertido senhor português, que, segundo dizem, teria adorado me conhecer.

Naquela época ela já estava bem esquecida, mal falava, mas sua pressão era ótima e seus exames não acusavam nada. Me lembro que, sempre que eu chegava em sua casa ao lado de seu filho, ela me encarava com ares de:

– Quem é essa mulher que está agarrando o meu tesouro?

Tentava explicar que as minhas intenções eram as melhores, prometia até me casar, mas ela nem ligava. Olhava para ele como se quisesse alertá-lo e me encarava de volta. Mas, por tudo que seu filho, hoje meu marido, já havia me contado dela, sabia que Dona Ivete era uma grande mulher. Doce, elegante, boa mãe… Vaidosa ela ainda era, não dispensava o esmalte e o batom e gostava de ter as suas belas madeixas brancas penteadas. Uma grande mulher que tinha criado um grande homem. Me sentia grata por ela existir.

No ano passado Dona Ivete faleceu. Já estava bem velhinha e um tanto debilitada nos últimos meses. Um dia, ela começou a sofrer por falta de ar e a médica disse que era questão de dias. Resolvemos levá-la para o hospital, para que tivesse toda assistência necessária e não sofresse. Além disso, sua neta, que tinha acabado de ter neném morava com ela e achamos melhor separar as coisas para que não afetasse também o processo de amamentação e tudo que envolve um recém-nascido. Que não é pouca coisa!

Assim que chegamos ao hospital, fomos informados que não tinha vaga, no que a paramédica rebateu:

– Não tem agora, mas daqui a pouco tem. Olha, por exemplo, o paciente do quarto 01. Não está bem. Baixa saturação, batimento caindo…vai morrer.

Olhei para o meu marido espantada e ele, mais espantado ainda, arregalou os olhos. Não queríamos matar ninguém!

Depois de uma longa espera conseguimos a vaga e minha sogra ficou internada 5 dias, sendo tratada com morfina para não sentir dor. Até então sua neta não sabia da evolução do caso e sua mãe, minha cunhada, não queria que ela soubesse. Concordamos que seria melhor.

Mas, como esperado, em um sábado lindo e quente no Rio de Janeiro, minha sogra faleceu. Fomos todos para o hospital para realizar os trâmites necessários e meu marido é avisado que ela estava com uma camisolinha velha e precisava de uma roupa para ser enterrada. Pensei em ir até a casa dela buscar alguma coisa, mas a neta ainda não sabia que sua avó acabara de falecer e eu ia ficar em uma saia justa. Eu é que não ia dar a notícia. Minha cunhada liga:

– Tem algumas lojas em promoção no shopping ao lado do hospital, compra um vestido baratinho.

Moleza. Além de escritora, sou também consultora de imagem, então o que mais sei é escolher roupa. Pelo menos achei que sabia. Mas nada tinha me preparado para aquele dia.

E aí, enquanto o meu marido resolvia a papelada do enterro, lá fui eu para o shopping, com a pior incumbência da minha vida. Não sei você, mas roupa de enterro para mim é sagrada. Fui criada em família italiana e católica e minha avó tinha regras duras para roupas. Por exemplo: quando eu usava minissaia e o outro tinha pensamento impuros, a culpa era minha por provocar aquilo. Roupa de ir à missa era especial, mulheres precisavam usar saias e meia calça, blusas fechadas e discretas. Roupa de trabalho a mesma coisa, precisa ser séria, pois o corpo é fonte de pecado…e por aí vai. Mas nas festas elas se esbaldava, era sempre a mais elegante. Um primor dos saltos até o cabelo. Então, você imagina: Se para as funções terrenas ela tinha extremo cuidado, imagina para um evento no céu?

Sim, porque ela acreditava que iria para o céu…Tolinha! O importante era que, para cima ou para baixo, essa era a grande chance de usar o seu melhor traje. Não me lembro como ela foi enterrada…Enfim, fui criada assim e sempre imaginei que a roupa para ser enterrada teria que ser algo, no mínimo, correto.

Voltando a Dona Ivete: Então, para uma senhora de 94 anos, viúva e mãe do meu marido, eu tinha que caprichar. Imagina deixá-la ser enterrada de qualquer jeito? Era passaporte carimbado para o inferno!

Mas quando eu entrei na tal lojinha da promoção, o que encontrei poderia estar no closet de qualquer festival de piriguete: top de lantejoulas, microssaia verde limão, vestidos de onça com fendas até o útero…Será que era a mesma loja que a minha cunhada indicou?

– Posso ajudar?

– Claro! Estou precisando de uma roupa mais discreta…

– Tenho esse pretinho básico fantástico!

Ele era tão justo que só devia sair com acetona.

– Acho que não é bem isso que estou precisando…

– É alguma ocasião especial?

– Pode-se dizer que sim.

Eu não ia estragar o dia da vendedora, já bastava a minha ingrata missão. Resolvi dar uma olhada, já estava lá mesmo. Mas era da prata para o dourado, do pink para a onça, do decote para a fenda em um looping que foi me deixando tonta naquele mar de minis e brilhos.

Ficava imaginando minha sogra vestida com algumas daquelas peças e aquela cena não se encaixava em absolutamente nada. Nem em um baile de Carnaval. Imagina ela chegando no céu para encontrar seu digníssimo marido com um vestido super sexy de onça. Seu Joaquim ficaria, no mínimo, espantado:

– Mas o que é isso, Ivete? Ficaste doida?

– Foi a tal que aparecia lá em casa com o nosso filho que escolheu. Sabia que não ia prestar!

Senti um arrepio e resolvi dar uma volta, respirar e achar algo menos extravagante.

Achei uma boutique já conhecida, mais cara, mas nem titubeei. O que vale é a minha consciência!

– Bom dia, posso ajudar?

– Estou procurando um vestido para a minha sogra.

– Alguma ocasião especial?

Ai, meu Jesus…

– Pode-se dizer que sim.

– Algo em mente?

Pensei: coisas em mente é o que mais tenho nesse momento. Mas me restringi ao:

– Bem discreto, de preferência.

Ela me levou para os pretos, como se a cor fizesse a freira. Todos os pretinhos básicos tinham algo que me incomodavam: ou era um decote nas costas, uma fenda na frente ou ambos. Nunca vi o guarda-roupas de Dona Ivete, mas sabia que nada disso deve ter passado por lá. Pelo menos não nos últimos anos. Não sei se estava conservadora demais naquele dia, mas tudo me soava indecente.

– Algo mais sóbrio mesmo…

Ela me levava para os maiores, como se tamanho fosse sinônimo de censura.

– Tem alguns em promoção também.

Ela devia estar imaginando que o problema era o preço. Mas eu continuava enxergando apenas a minha alma queimando no fogo do inferno. Parecia que nada seria digno da minha sogra, muito menos da minha salvação.

– De qualquer forma, ela pode trocar se não gostar.

– Acredito que não será necessário. Ela vai gostar de qualquer forma.

Juro. Eu não ia estragar o dia de outra pessoa.

Fiquei quase meia hora indo de um lado para o outro, a vendedora aflita atrás de mim e eu sentindo um diabinho no meu ombro e um anjinho no outro, eles se debatendo entre brilhos e seios de fora, o diabinho dizendo que não importava a roupa, ninguém ia ver mesmo, o anjinho se benzendo com o sinal da cruz e pedindo: – Moderação, moderação! enquanto minha sogra só queria ser enterrada. Bem-vestida, de preferência.

Finalmente, depois de todas as onças, decotes profundos, fendas inatingíveis e cores exuberantes, encontrei o melhor vestido de todos. Ele surgia como um oásis no deserto: de um tom sobre tom de verde, com uma estampa discreta de folhagem, todo abotoado na frente e manguinhas até o meio do antebraço. De puro algodão e longo. Fresquinho e leve. Podia perfeitamente ir de um almoço a um lanche da tarde com as amigas. Acho que até fazia parte da paleta de cores da Dona Ivete. Já estava delirando quando a vendedora perguntou:

-Crédito ou débito?

Compra feita, ela ainda me fez o favor de embalar para presente e se despedir, com um sorriso de missão cumprida:

– Depois volta com ela para ver as novidades!

– Pode deixar que eu volto!

Até hoje recebo mensagens da vendedora querendo me mostrar as novidades. Tenho certeza de que um pedacinho do céu eu ganhei naquele dia.

Cheguei no hospital toda satisfeita com o cumprimento do meu dever e meu marido, já desorientado com a minha demora, só queria saber do tal vestido. Entreguei o embrulho chique, ele não entendeu nada, e, enquanto levava o vestido para a derradeira hora, caí no choro. Nunca, em toda a minha vida, escolher uma roupa foi tão difícil. Descanse em paz – e elegantérrima – Dona Ivete!

A culpa é do mar

No meio dos meus furacões, me encontrei como um poeta pleno de versos infinitos. E a culpa é do mar. Ou do Rio.

Essa cidade que tem um burburinho frouxo, um encanto bobo, um frenesi intimo de como quando entramos no Mineirão. No Rio, é esse marzão.

Ele encanta em demasia, como um suspiro preso que sufoca a maresia. O olhar não consegue ir além do azul e do verde que se misturam no vaivém de ondas soltas e traz de volta esse bem.

Esse mar infinito que quase cabe na minha mão. Que se mistura com pequenas conchas, areia fofa e risadas soltas. Em qualquer lugar se vislumbra a alegria pura de gestos simples. Em crianças brincando de nada e pessoas que simplesmente se deixam ao sol.

Todas as idades, raças, credos e riquezas se misturam na praia. A democracia é total, como no Mercado Central. Os passos no calçadão ou na beira do mar levam sempre para um prazer pleno, uma sensação completa, de começar ou terminar mais um dia em harmonia.

 E paro para ver e perceber essa finitude aonde tudo vai e tudo vem. Tudo se acerta. O mar traz a paz. Mostra que nada controlamos. E nem é preciso. Me faz poeta. No meio dos meus furacões. Completa.

QUARENTENA – QUARESMA – QUARESMEIRA

O horizonte anunciou um desafio

Na época que traria

Tanta luz e liberdade

Chegaram tempos de trevas

Fomos convidados ao exílio

Um inimigo invisível

Uma tal gripezinha

Que surgia na China

E, de repente, fez vítima,

Seu José da esquina

E com o perigo iminente

Me isolei

Nos tempos das quaresmeiras

Roxas como um suplício

Pré-milagre de Cristo

Me isolei

Ou melhor, nos isolamos

Em um paraíso distante

Em um refúgio externo

Ou no silêncio que guardo

Me isolei

Perdi a vaidade

Tentei assumir os brancos

Quase raspei os cabelos

Mas recobrei a sanidade

Me isolei

Adotei duas gatas

Meu amor surtou

Elas ronronaram

Ele se apaixonou

Me isolei

Quis morrer

Quis sumir

Quis viver

Ressurgi

Me isolei

Perdi um tio

Perdi uma prima

Chorei

Como você também chorou

Me isolei

Conversei com amigos

Voltei a falar com meus primos

Me senti parte de algo

Dentro do meu vazio

Me isolei

Fiz máscaras de beleza

Pintei as unhas

Emagreci

Engordei

Me isolei

Vi ministros humilhados

Nossos poderes desnudos

Ouvi o que não queria

Falaram o que não devia

Me isolei

Acordei de maneiras várias

TPM´s, alegrias

Senti saudades

Do que não tinha

Me isolei

Li tantos livros

Escrevi quase diários

Poemas curtos

Contos que criei

Me isolei

Descobri mais de mim

De você

Ou até do outro

Já nem sei

Me isolei

Fui amiga do sol

Companheira na chuva

Me perdi

Me encontrei

                                                                                                                                             CAROL MEYER

Por trás do muro azul

Ana Maria
Todos os dias ela saia às 16 horas em ponto. Seu destino era certo, mas ninguém sabia suas motivações. Nem mesmo seu marido, que nunca desconfiou dessas saídas no meio da tarde de Ana Maria. Ela nunca lhe deu motivo para desconfiança, mesmo sendo ainda muito bonita e com corpo esbelto. Devota, mulher prendada e dedicada a ele, Rogério saia tranquilo todos os dias para o trabalho sem nunca imaginar o que acontecia no íntimo de sua quase santa esposa.

Ana se olhava no espelho de novo, querendo enxergar através dos seus olhos azuis que pareciam estar ficando cinza. Será que ela estava perdendo o brilho? A vida não tinha sido fácil, afinal. Nada a reclamar, pois tinha um bom marido, um belo lar…Ou melhor, uma bela casa. Um lar, para ela, era um lugar repleto de alegria e barulho. E filhos. Coisa que Deus não a permitiu ter. Teria sido mesmo Deus?

Depois de três abortos eles finalmente desistiram. Seu corpo não aguentava mais, sua alma se dilacerava a cada perda e seus olhos perdiam aquela luz que se acendia a cada resultado positivo. Seu imaginário dançava novamente pensando em nomes, comprando roupinhas, pintando paredes do quarto, mobiliando sonhos. Tinha algo errado com seu útero, alguma doença com nome estranho e nada ficava por ali. Ela sorria por três meses, no máximo. Ficava de repouso, fazia promessas, evitava até beijar o marido para não ter vontades e colocar tudo a perder. Mas nada adiantava. Ela não tinha sido feita para ser mãe.

Depois da dor quase enterrada, Rogério veio com a ideia de adotar. Tanta gente adota, afinal. Mas não seria a mesma coisa. Ana queria sentir a barriga crescer, seu filho ou filha mexer dentro dela, ter todo um processo de espera, de escolhas, do amor que cresce e transborda junto com a barriga e o leite que escorre quente pelos seios. Por que justo ela não poderia passar por todas as dores e delícias de parir? Será que era seca, como dizia a sua avó? Gente seca normalmente é ruim, pensou ela. Será que sou tão ruim assim?

Esse pensamento a despertou para a hora. Não poderia chegar atrasada, por favor! Ela precisava estar presente ao seu compromisso, presente e inteira. Tentou se distrair pela rua, pensando em coisas boas. Mas estava especialmente melancólica naquele dia. Vendo flores e enxergando apenas flores, não o perfume, as cores e até os pássaros que cantam ao seu redor como percebem os apaixonados. Era como se previsse algo, com o coração apertado e o pensamento longe. Quase foi atropelada por uma bicicleta, tamanha a sua distração. Ouviu resignada o rapaz raivoso a mandar para lugares inomináveis e seguiu seu caminho. Tinha certeza que no próximo quarteirão se sentiria melhor. Seu compromisso ficava por trás de um grande muro azul e lá, tudo era perfeição.

Rogério chegou em casa como de costume às 19 horas e um cheiro bom de feijão vinha da cozinha. Ana Maria estava de costas e ele vislumbrou o corpo da esposa, um típico violão. Belas ancas, cintura ainda finas, os ombros delicados e penugens louras descendo pelo pescoço. Ela prendia os longos cabelos ao cozinhar e sua nuca, nua, ainda arrepiava Rogério como no começo do namoro. Ele a enlaçou pela cintura e lhe deu uma mordida leve no pescoço. Ana se assustou, mas deixou o corpo solto nas mãos do marido. Que susto, querido!

Voltando seu rosto para ele, o beijo foi inevitável e parecia que o feijão ia queimar também. Há tempos eles não se amavam e a fome de transformou em ação. Talvez já fosse hora de esquecer um pouco as amarguras e deixar a vida mais leve. O corpo de Ana pedia esse carinho, mas as lembranças a impediam de gozar. O sexo era quase sempre um martírio, pois ela nutria esperanças vãs e o fato de não mais poder engravidar tornava tudo estranho ao seu olhar. Não se sentia mãe, mulher, nada. Não se achava nada mais.

Rogério fechou os olhos e colocou a mão por debaixo da saia de Ana. Com movimentos doces, levou sua mulher a um gozo que ela há muito não sentia. Ficou quase constrangida com o liquido que escorria pela sua perna e tentou se segurar. Mas precisava de mais e trouxe Rogério para dentro de si. No chão da cozinha, como uma adolescente. Ele se espantou com tamanha impetuosidade e foi ainda mais doce, demorando a gozar e fazendo Ana se desmanchar agarrando seus seios com força enquanto jorrava entre suas pernas. Exaustos e satisfeitos, gargalharam com toda a situação: nus, no chão, mal conseguiam se levantar sem o apoio do fogão. Não temos mais idade para isso! Riu Rogério.

Recomposta, Ana colocou a mesa e começaram a conversar sobre o dia. Ele, todo satisfeito com o trabalho, novos colegas chegando da filial de Salvador e Ana notou uma entonação diferente quando ele comentou sobre uma tal Larissa. Moça nova, trabalhadora e esforçada, dizia ele. É bonita? Ela pensou, mas não perguntou. Bobagem, devo estar na TPM e inventando coisas. Queria contar também sobre o seu dia, mas se restringiu a falar como os preços subiram no supermercado. Daqui a pouco, vamos comer farinha com água, dramatizou. Pratos recolhidos, se aconchegaram no sofá para ver o jornal. Ele, conferindo números e fazendo conjecturas como se o apresentador lhe ouvisse. Ela, pensando em como a noite seria longa até seu compromisso de amanhã.

No meio da tarde, Rogério liga com a voz histérica querendo respostas. Ana, minha filha, você não pode acreditar. Vamos nos mudar! Mudar como, homem? A filial de Salvador precisava de um bom gerente e nada melhor do que alguém com larga experiência como ele. Acostumada com sua vida em São Paulo, Ana Maria declinou. Não vou mesmo. O que tem pra fazem em Salvador? Rogério se segurou para não dizer: o mesmo que tu faz aqui, mas não queria ofender a esposa. Sabia de toda a sua dor e sempre preferiu que ela ficasse em casa cuidando de tudo. Não por machismo, mas como o dinheiro sobrava, dava para manter muito bem os dois. Quando Ana teve o último aborto, pensou até em sugerir que ela voltasse a ser professora, mas achou que ela talvez fosse ficar deprimida perto de crianças. Ela se fechou no seu mundo, ele teve medo de entrar e dois deixaram as coisas caminharem por si. Mas agora a vida ia mudar!

Ana desligou o telefone e ficou pensando em como iria tirar esse ideia maluca da cabeça do marido. Que se dane a empresa, ele pode muito bem se recusar a um pedido deles! Não poderia estar tão longe do seu compromisso, da alegria por trás do muro azul. Não aguentaria mais uma perda, não mais. Ia se separar, pronto. Ele que fosse e deixasse ela lá. Tirou logo a ideia da cabeça. Amava Rogério, sem dúvida que amava. E imagina ele em Salvador, solto. Deus me livre! Pensou em esfriar a cabeça e foi tomar banho. Sentiu a água quente descendo pelo corpo. Lembrou-se da noite anterior, os dois no chão da cozinha e seu gozo escorrendo pelas pernas. Sorriu para si. Sim, amava Rogério. Resolveu relaxar e se masturbou. Sentiu cada pedaço do seu corpo como há muito tempo não sentia. Se sentiu bonita. Seu corpo continuava firme, com curvas delicadas, penugens louras nas coxas e se tocou com ardor. Fez amor com ela mesma.

O muro azul continuava ali, mas ela achava que ele tinha ido embora. Para Salvador, junto com ela, dentro da mala. Chegou no local ás lagrimas, como se fosse mudar no outro dia. Que desespero, meu Deus. O que vou fazer? Contar a Rogério? Ele não entenderia. Talvez risse de mim. Por mais encantador e compreensivo que ele fosse, era homem. E como todo homem, era prático. Sentimentos e apegos não eram com ele. Nada que ela falasse ou que precisasse seria suficiente para ele desistir da ideia de Salvador. Será que essa tal Larissa também vai estar lá? Será que é por isso que ele quer se mudar? Que louca eu sou, meu Deus. Pra que pensar tanto? As vezes queria ter um botão de liga e desliga para simplesmente parar de pensar. Claro que não acreditava que seu marido era 100% fiel. E foi ensinada a entender isso. Homens têm necessidades que as mulheres não tem, aconselhava a sua mãe. Se ele te der uma casa, te sustentar e não te bater, já se de por satisfeita.

Sua mãe apanhou a vida inteira e é claro que seus pré-requisitos para um homem ideal eram bem baixos. Quando Ana começou a namorar, o único conselho que recebeu da mãe foi para casar virgem. Homem não respeita mulher que já deu. Nem que goste de sexo. Putaria ele faz com as putas. Seja uma mulher direita e uma boa dona de casa. Lhe dê filhos e o resto você finge que não vê. Ana conseguiu se segurar até o casamento, por mais que quisesse muito se entregar para aquele homem que mexia nos seus seios dentro do carro e fazia suas coxas umedecerem. Aquilo era gozar? Toda vez que ela molhava o vestido sentia uma culpa imensa e ficava com medo dele perceber. Tinha vergonha de querer ele tanto e medo dele achar que ela gostava de sexo. Custou a se segurar e fez de tudo para apressar o casamento. Queria Rogério dentro dela, sobre ela, para sempre.

Na noite de núpcias, Ana Maria se fez a mais bela das mulheres. Depois do casamento na igreja, com direito ao seu pai levá-la no altar com um orgulho besta por ela ainda ser virgem, se refastelaram na festa oferecida pelo seu padrinho, fazendeiro rico do sul de Minas. Sua mãe, mais aliviada do que exatamente feliz – Ana era a última das filhas a se casar, suas irmãs já estavam parindo netos sem parar – eles finalmente foram para o hotel. Ela preferiu assim, passar a noite na cidade antes de embarcar para Buenos Aires. Não se aguentava mais e ficou com medo de morrer virgem no avião. Deus me livre! Colocou a camisola preta que havia comprado escondida – preto e vermelho eram cores de puta – e mais nada. Teve a coragem de não colocar a calcinha que vinha junto e apenas perfumou seus seios e suas coxas para quando Rogério finalmente a tomasse para si. Não tinha mais vergonhas nem pudores. Queria apenas ser do seu homem.

Rogério continuava imaginando a nova vida em Salvador com um sorriso besta no rosto. Quem sabe Ana não se animava, tomava uma cor e toda noite seria como a anterior? Tinha tempo que eles não faziam amor e Rogério estava quase desistindo da mulher. Pensou até em pagar uma puta, tamanha era sua aflição. Resistiu bravamente às investidas de Larissa, que há tempos debruçava sobre a sua mesa mostrando muito mais do que documentos. Acabou falando o nome dela por puro problema de consciência, como se fosse uma novata. Que Deus me perdoe, mas não queria magoar a esposa. Era o estilo pijamão com muito orgulho. Os amigos até tentavam apresentar mulheres para ele, levar para a caça, mas Rogério era fiel a Ana. Até em pensamento. Desde o primeiro dia que se viram. Ele nunca imaginou sentir aquele amor todo por alguém, mas quando deu de cara com Ana imaginou: Essa mulher vai ser a mãe dos meus filhos.

Pena que nem tudo que ele pensou para os dois se concretizou. Rogério ficou casto até o casamento, por mais que quisesse dar suas escapadas. Você é muito trouxa, diziam os amigos. A Ana, tudo bem, se guardar para você. Mas tu, Rogério, que já pegou metade de Saquarema? Faça-me o favor! Trouxa! Mas Rogério não queria nem ao menos outro perfume. Dormia e acordava com o cheiro de jasmim de Ana no seu travesseiro e imaginava aquele corpo branco deitado na sua cama. Imaginava a boca de Ana se abrindo para ele, os cabelos deslizando nos seus lençóis e suas pernas longas com aquelas penugens louras se cruzando em suas costas. Como amar outra mulher se ela era tudo que ele um dia imaginou ter? Filha caçula de pai militar, Ana havia sido muito bem criada, frequentado ótimos colégios e tinha um caráter inabalável. Sua mãe sempre se gabava da filha, apesar de levantar suspeitas por várias marcas roxas pelo corpo. A mãe de Rogério dizia que ela bebia até cair, mas ninguém nunca viu nada e Ana continuava sendo o melhor partido da cidade. E foi gostar justamente dele. Que sorte maior ele poderia ter?

O telefone tocou estridente despertando Rogério das lembranças. Deve ser Ana, mudando de ideia, tão boa ela é. Vai me pedir desculpas por ter pensado o contrário e vai acatar a minha decisão, como sempre. Mas era uma voz de homem, rouca, ameaçadora. Você sabe onde a sua mulher está agora? É melhor ficar de olho! Um frio absoluto passou pela espinha de Rogério. O que seria isso? Uma brincadeira de mau gosto? Mal teve tempo de retrucar e a voz do outro lado havia sumido. Estava tão perdido que nem ouviu o clique do desligar. Estava zonzo, como se houvesse tomado de uma vez só a dose da cachaça da fazenda do seu primo de Minas. Ela desce arranhando a garganta e abre o chão que a gente pisa. Se apoiou na mesa e tentou raciocinar. Que bobagem era aquela? Desconfiar de Ana? Nunca! Olhou para o telefone e pensou em ligar para casa. Claro que ela estava lá, pensando no que fazer para a janta daquela noite, talvez até mesmo pensando em colocar uma lingerie nova para ele, surpresa das surpresas! Mas não custava conferir. Pegou o telefone. Discou. Ridículo, Rogério, ridículo. Não vou ceder ao jogo desse cretino que me ligou, é isso que ele quer. Ridículo. Mas não resistiu. Discou tremendo os números e começou a ouvir angustiado o som do telefone. Chamando uma, duas, 10 vezes. Deve estar tomando banho, pensou. Ligou de novo. Mais uma eternidade. Só pode ter ido ao supermercado. Claro! Rogério já suava frio e começou a imaginar Ana na cama com outro, como em um filme de Luis Buñel. Catherine Deneuve, a bela da tarde, olhava para ele de rabo de olho e dava uma piscada, alisando a perna de penugem loura de Ana enquanto esperavam o próximo cliente. Louco, só posso estar ficando louco.

Ana Maria saía finalmente pelo muro azul e foi apreciando, de verdade, a paisagem. Como uma apaixonada pela vida. Como quem voltar a respirar. Se sentia bem todas as vezes que saía de lá e o trajeto para casa sempre era mais colorido, mais perfumado, mais feliz. Abriu a porta de casa cantarolando alguma daquelas canções que grudam na cabeça da gente e deu de cara com um Rogério transtornado. O rosto vermelho, como um lobo furioso, começou a pedir explicações. Por onde ela andava, afinal? Pega de surpresa, Ana gaguejou e sentiu o primeiro tapa na cara. Com a força, caiu no chão e começou a chorar. Rogério, ainda mais transtornado e sem saber o porquê de ter batido com tanta força na mulher, não sabia se a ajudava a levantar ou se dava outro tapa. Perguntou de novo onde ela estava, mas Ana mal conseguia mexer o maxilar. Ele se aproximou, e sentindo o cheiro do perfume e o vermelho do batom da mulher, não titubeou. Deu outro tapa e saiu. Vagabunda!

Ana ainda segurava o rosto quando percebeu que o marido havia saído e se levantou. Ela tinha sangue nos lábios, talvez tivesse mordido a boca durante a briga. Não reconheceu naquele monstro o marido que havia passado por tanta coisa com ela. Um homem bom, educado, quase casto, como sua mãe mesmo dizia. Rogério era de família rica, nunca precisou se esforçar muito para ter o que quis. Seu pai, médico paulista renomado, sempre fez gosto com o casamento, enquanto a mãe teimava em achar defeitos em Ana. Como não conseguia nada, começou a atacar sua mãe. Inventava que a Dona Vivi bebia até cair, por isso vivia roxa. Mal sabia ela que cada roxo era um soco que o pai de Ana desferia quando ela se recusava a algo. Ou simplesmente por existir. Militar reformado, comandante Reis era duro com as filhas e insuportável com a mulher. Queria tudo perfeito, da cama até os pratos na cozinha. A comida tinha hora marcada, tempero certo e a hora da refeição era sagrada. Não podia ter conversa, barulho, os cotovelos para fora da mesa e até o jeito de pegar no talher era inspecionado por ele. Todas as filhas o temiam e nenhuma se lembra do seu abraço. Dona Vivi se resignava pela vida, dando desculpas pelo roxos, ouvindo maledicências e descobrindo, aqui e ali, os casos do marido pelos puteiros de Carmo do Rio Claro. Ela e todas as esposas da época.

Ainda zonza, Ana Maria resolveu se levantar e entender o que havia acontecido. Aonde ela estava, era isso que ele queria saber? Meu Deus, será que alguém havia descoberto? Mas, se sim, seria motivo para tanto ódio de Rogério? Ficou com medo do retorno dele e resolveu sair de casa, pelo menos até entender o que havia acontecido. Juntou algumas roupas, calcinhas e cremes, ligou para uma das poucas amigas que ainda tinha e se foi. Nem um bilhete deixou, ele realmente não merecia. Ou melhor, ia deixar o número da casa da amiga. Melhor. Melhor? Não, não ia deixar nada. Ligaria no outro dia para o escritório, isso sim. Bateu a porta e pegou um ônibus até a Vila Mariana. Assim que entrou no pequeno apartamento, deu de cara com o rosto boquiaberto da amiga. Ela havia esquecido o quanto deveria estar roxa, pois a sua pele branca havia sido alvo de dois fortes tapas. Meu Deus, é por isso que todos me olhavam no ônibus, pensou. Vamos agora mesmo para uma delegacia, ele não pode fazer isso com você! Não, não precisa. Ele estava fora de si. Ainda não sei o que aconteceu. Deve haver uma explicação. Para isso? Acredito que não!

Depois de andar como um zumbi pelas ruas, Rogério tomou coragem de voltar para casa. Meu Deus, porque tinha batido em Ana? Nem ao menos perguntou nada, nem esperou ela se defender. Talvez se ela não tivesse chegado cantando, toda feliz como uma mulher no cio, ele tivesse conseguido pensar. Mas ela estava linda, cheirosa, satisfeita…Claro que estava me traindo, claro! E voltou sem compras, então nada de supermercado. Vagabunda, era o que ela era. Meu Deus, mas não era possível. Eles tinham se amado na noite anterior, era real aquilo. E Ana nunca gostou muito de sexo, não teria porque trair. Será que ela estava apaixonada por outro? Mas quem, meu Deus, quem? Agora que ela está acuada, vai ser difícil descobrir alguma coisa. Por isso que ela não queria ir para Salvador, claro. Que burro eu fui, achando que ela era apegada a cidade, as amigas…Tinha macho na parada, é claro! Burro, meu Deus, burro. E ainda sendo fiel, resistindo a Larissa, sem pegar nenhuma puta, respeitando uma vagabunda…Burro!!!

A noite, Ana não conseguiu dormir. Ainda tinha muita dor no rosto, por mais que sua amiga tivesse lhe dado 2 analgésicos. A dor era muito mais profunda e ela estava tentando montar as peças de um quebra cabeças bizarro. Tinha certeza que alguém deveria ter feito fofoca com Rogério, inventado algo para lhe desmoralizar. Quem? E porque? Rogério deveria estar pensando que ele o estava traindo, mas nunca poderia ter tido aquela reação, meu Deus. Ela, que sempre foi uma esposa devota, nunca lhe deu motivo para desconfiar de nada. Como ele poderia ter pensado isso dela? Ia ligar, com certeza, para o escritório. Com calma, tentar entender tudo. Depois? Não sei. Estava muito confusa ainda. Será que ele sentia falta dela? Será que já tinha voltado para casa? Deve ter ido pegar mulher, claro. E ainda ia se justificar, inventando uma traição dela. Canalha. Bruto. Preciso dormir. Ainda não sei se vou ligar.

Em casa, Rogério só encontrou o vazio. Nada de Ana, de jantar, de nada. No quarto, poucas roupas e o cheiro de jasmim na penteadeira. Levou o perfume para o outro, vagabunda. Nenhum bilhete dava conta do paradeiro de Ana e Rogério entrou em desespero. Poderia estar sendo estúpido o bastante perdendo sua mulher sem nenhum motivo? Mas, por que então, ela havia saído de casa? Deve ter montado casa com amante, claro! Meus Deus, estou ficando louco. Preciso encontrar minha mulher. E se tudo tiver sido um grande mal entendido, como ela poderá me perdoar? Eu bati na minha mulher, meu Deus. A noite ia ser longa e Rogério nem tinha certeza se gostaria que o dia chegasse.

Mas o dia veio e com ele novas dores no rosto de Ana. Com as bochechas inchadas e o coração aos pulos, ela ainda não sabia ao certo o que fazer. Olhou no relógio. 07:15. Dormiu mais do que achou que conseguiria. Com certeza foram os analgésicos. Pensou em fazer o café para amiga, se vestir e ir de encontro a Rogério, ainda em casa. Mas teve medo. Não sabia se ele ainda estava com raiva e nem ao menos o porque. Imaginou o marido no puteiro, chegando em casa com cheiro de álcool e perfume barato de mulher, como tantas vezes viu seu pai entrar em casa de manhã antes de alvejar sua mãe, que ainda se dava ao trabalho de fazer o café para o seu carrasco. Tentou apagar a imagem suja da cabeça e pegou o telefone. Vou ouvir a voz dele primeiro, para sentir o seu ânimo. Seria melhor assim.

Do outro lado da cidade, Rogério, ainda de camisa e gravata, se revirava no sofá. Não teve coragem de dormir na cama que foi, durante tantos anos, o local de encontro com Ana. Do amor com ela. Das negativas e tentativas frustradas durante os meses após os abortos. Ele sempre respeitou a dor da mulher, ficava imaginando a sua tristeza, o seu sofrimento. Até parava de pensar em sexo. Burro! O telefone tocava ao fundo e ele levantou ainda cambaleante com a cabeça zonza de raiva e culpa. Quem poderia ser tão cedo? Será que aconteceu alguma coisa com ?Ana? Meu Deus, o que ele teria feito? Era ela. A voz calma, perguntou com ele estava. Falsa, vagabunda. Como poderia estar o novo corno da cidade? Ótimo, claro! Ana não riu e ignorou o sarcasmo do marido. Ele parecia mais calmo, mas talvez fosse ainda pelo efeito do sono. A voz estava embargada e é claro que ele passou a noite na gandaia. Filho da puta. De qualquer maneira, precisamos conversar. Conversar? Pra que? Acho que devemos explicações. Podemos almoçar como pessoas civilizadas. Cretina, quer me contar o caso e ainda levar meu dinheiro. Claro, vamos almoçar, mas já vou avisando: Já falei com meu advogado.Tanto faz. E Ana desligou.

Rogério tomou um banho rápido e foi para o escritório. Não tinha cabeça para nada, mas notou um burburinho incomum quando chegou na empresa. Não sabe o que aconteceu? Larissa foi encontrada morta em casa. Estão desconfiando do ex marido. Ele era muito ciumento, parece que nunca aceitou o fim do casamento e jurou acabar com a vida de todo mundo que ela dava em cima. Rogério sentiu o mesmo frio que gelou a sua espinha no momento do tal telefonema. Seria a mesma voz? Lembrou do tal ex marido de Larissa, um homem alto, forte, com jeito de poucos amigos. De vez em quando ele dava um perdido na porta da empresa, esperava Larissa sair e a pegava pelo braço, tentando colocá-la no carro. Ela esperneava e as vezes apelava para Rogério, que saia em defesa da menina, dando um chega pra lá no armário em forma de gente. Invariavelmente o grandão cedia, mas nunca sem antes soltar, em tom ameaçador: Vai cuidar da sua mulher senão eu cuido! A voz, era sim, a mesma do tal telefonema. Será que ele estava seguindo Ana? Meu Deus, que loucura! Será que ele desconfiava dos dois? Rogério correria perigo? Mais essa agora, já não bastasse ser corno agora era alvo. Nem teve tempo de ficar consternado pela morte de Larissa. Era um problema a menos afinal.

Na hora do almoço, Ana se dirigiu para a porta do escritório do marido. Marido ainda? A cabeça estava confusa e não sabia se conseguiria perdoar Rogério. Será que suportaria seu toque novamente? Será que ele ainda a desejaria? Que idiota, meu Deus. Ela havia apanhado, ele era um escroto, porque se sentia culpada? Não tinha feito nada, nunca fez. Pensou, claro. Se sentiu atraída várias vezes por outros homens, mas nem se sentia mais tão pecadora assim, apesar de ter aprendido a pedir perdão até por pensamentos impuros durante a catequese com dona Ondina. Quase freira, Maria Ondina desistiu de entrar para o convento para ensinar crianças a amar e respeitar a Deus sobre todas as coisas. Será que ainda estaria viva? Meu Deus, precisava ir a Carmo do Rio Claro visitar as pessoas, sua família, sua mãe. Será que iria ao túmulo do seu pai? Vontade não tinha, acho que jamais havia rezado nem ao menos pela sua alma. Duvido que ele tivesse uma também.

Com um cumprimento estranho, dois beijinhos desajeitado, eles se uniram por poucos segundos e foram caminhando até o restaurante mais próximo. A comida era só um pretexto, Ana queria mesmo era um local público para se sentir segura. Rogério estava aparentemente calmo, talvez até dopado. Será que ele bebeu cedo assim? Mas não, parecia um torpor infantil, como quando adormecemos após chorar por horas a fio. Como que acomodado, resignado com um fato. Pediram os pratos, ele pediu cerveja e ela, água Queria estar sóbria, lucida pra falar e ouvir. Tomou coragem e começou com um por que? Ele a olhou como quem tem vergonha de si e contou tudo que tinha passado nas últimas horas. Falou da desconfiança, do ódio, do arrependimento, das lembranças boas, do medo de perder a mulher da sua vida. Pediu perdão com as mãos sobre as dela e chorava feito uma criança perdida dos pais. Mas em momento algum perguntou o que ela estava fazendo no dia anterior. Não se sentia digno de saber algo além do que ela quisesse contar. Entendeu que foi vítima de uma cilada e não queria mais sofrer. De repente, Ana se sentiu mãe do seu próprio marido. Nunca o tinha visto tão frágil, tão bobo, tão desprotegido. Era como os fetos que ela colecionava nas estantes da sua dor, cada um com um nome e sexo. Seus filhos e filhas que ela nunca pode colocar no colo, ninar, amamentar. De repente, ela se deu conta que só queria ir para casa com Rogério, se despir para o marido e deixar ele sugar seu leite e seu gozo como em sua noite de núpcias. E dormir feliz esperando o dia trazer o que há por trás do seu muro azul.

CAROL MEYER – 17-07-2019

Tesão x Televisão

Atire a primeira pedra quem nunca transou vendo um programa de TV. Ou deixou o namorado ou namorada – ou qualquer coisa que o valha – para ver uma final de jogo ou o seriado favorito. E sabe qual a única conclusão para isso? A pessoa que está ao seu lado não é tão importante assim.

Sabe por quê? Seriado a gente grava, final de jogo não vai mudar a vida, mas o carinho retribuído, o beijo esperado, aquele abraço que cura até TPM…Isso sim vale a pena. E se você não se propõe a colocar o relacionamento como prioridade na sua vida, você não está pronto para amar. Mesmo.

Me lembro uma vez , há muitos anos atrás, que um rapaz de Brasília disse que ia me ligar a tal hora – antigamente mesmo, nem celular eu tinha – para conversarmos. A minha resposta foi simples:

– Nessa hora eu não posso, passa uma série que eu não perco!

Mas é claro que aquele rapaz não me importava à mínima. Ele estando em Brasília ou ao meu lado, não faria diferença.

Da mesma forma que já larguei tudo: aula, tv, filme, família, para estar com quem realmente desejava. E é a partir desse termômetro que você começa a entender quem te leva a sério ou não.

Se uma pessoa prefere ver o jogo de futebol no bar da esquina do que se sentar à mesa com você e ter aquela conversa doce, olhando nos seus olhos e saboreando um belo vinho, ELE NÃO ESTÁ TÃO AFIM DE VOCÊ.

Por quem quer, de verdade, esquece o resto. Aproveita cada minuto ao seu lado, fala da vida, faz planos, esquece até o celular. Mas quem tem pressa de ir embora porque “o jogo vai começar “ ou te leva naquele buteco por que  “lá vai passar o jogo” e se senta  exatamente na mesa em frente a TV para não perder nenhum lance, amiga…Ele nunca vai prestar atenção em você.

Mas se você quer insistir – sempre tem uma – tente o seguinte: Encontre com ele sempre depois do jogo, série, porcaria que for. Vá a lugares sem TV e – PLEASE!!! – desligue a TV na hora H. Melhor: Não tenha TV no quarto.  Somos a atração principal da noite – ou de manhãzinha também, é sempre bom –  e se o bofe ainda não entendeu isso…É melhor mudar de canal!

Não gosto do mais ou menos

Do sorriso contido

Do namoro morno

Sou movida a paixão

Abraços apertados

Gargalhadas imensas

Lágrimas intensas

Amor que não cabe no coração

 

Gentileza gera gentileza

Acredito nessa máxima não apenas por ter uma camiseta com a tal frase, mas por entender que coisas boas atraem coisas boas. Simples assim. E tanto os gestos nobres como as grosserias são capazes de gerar uma onda de energia que transforma vidas. De maneiras boas ou ruins.

E quando falamos de gentileza, devemos sempre pensar naqueles pequenos gestos quase obrigatórios do dia a dia que esquecemos pela correria ou simples distração. Mas quando lembrados e praticados, arrancam sorrisos e suspiros das pessoas mais duras de coração.

Aquele  “muito obrigada”, “bom dia”, dar o lugar em ônibus e metrôs, esperar a vez, jogar lixo no lixo, ajudar um cego a atravessar a rua, levar sacolas pesadas para frágeis velhinhas – e velhinhos – elogiar um look interessante, dar um sorriso, disponibilizar o ombro…

Da mesma forma que tudo isso pode deixar o dia mais feliz, o contrário pode, literalmente, ter péssimas consequências. Quase catastróficas. Imagina uma briga que comece por um mal entendido. Você sai do trabalho com raiva, distraído, e bate o carro. Ou, mais grave: atropela uma pessoa. Todo o seu dia e até a sua vida foi mudada por uma bobagem. E como gostamos de bobagens!

Uma resposta atravessada totalmente inútil tem poder destrutivo inimaginável.Que tal começar a pensar antes de falar? Ou respirar fundo antes de perder a paciência? Será que vale a pena se desgastar por tão pouco?  Será mesmo que aquela situação vai fazer diferença na sua vida daqui a dez minutos? Dez dias? Dez anos?

E aí as coisas pequenas começam a perder o sentido. Pra que vou brigar com um filho que insiste em não arrumar a cama? Que diferença isso vai fazer? E aquele que só arruma a mochila nos 45 do segundo tempo? Ele vai mudar?  Não vai. Só eu que vou me estressar. E o namorado que nunca lembra as datas importantes? Manda um whatsapp no dia anterior e comemore a vida!

Acredito que ser feliz é questão de escolha. Cada vez mais vemos pessoas ricas, que parecem ter vidas perfeitas, com quadros de depressão e até tomando atitudes extremas. Da mesma forma, convivo com pessoas simples que extraem a real beleza de momentos comuns, mas com extrema alegria. O que eles têm de diferente é apenas a forma como encaram a vida. Afinal, ela é curta, mas muito boa…Só depende de você curtir ou não.

E viva a gentileza!

Quem quer sexo?

Lacan uma vez disse que a relação sexual não existe. Simples assim. Mas em tempos de Tinder e relacionamentos relâmpagos, ela é a única coisa que nos resta. Ou não?

Já faz algum tempo que tenho falado que os relacionamentos estão cada dia mais superficiais e tudo está fácil demais. Até demais. E fiquei intrigada com a tal frase de Lacan, sobre a inexistência da relação sexual. Pesquisando, o que veio a tona é que as pessoas não se conectam. Meio “os corpos se entendem, mas as almas não”, já que a frase original de Lacan, “Il n’y a pas de rapport sexuel” pode ter dois significados: A palavra rapport, que normalmente é traduzida como relação, pode ser também colocada como complementaridade. Ou seja: ninguém é a tampa da panela de ninguém.

Isso não quer dizer que não seremos felizes no amor, mas que teremos sempre relações imperfeitas. E relações sexuais em que o cara está de olho no jogo da televisão e a mulher pensando em qual será a sua próxima aquisição da Schutz. Já aconteceu com você? Comigo também. Como não existe uma fórmula mágica para que tudo dê certo, inventamos a linguagem para tentar descrever os relacionamentos. Ou temos DR`S enfadonhas, em que nada é mudado. Ficamos frustrados, mas o medo de ficar sozinho faz com que em que a gente tape o sol com a peneira quando os pequenos defeitos viram quase atrocidades.

E desistimos. Partimos para o sexo sem compromisso, sem hora e nem por que. E isso independe até do status de relacionamento no Facebook ou da aliança grossa na mão. Sexo vira hobby, programa, diversão. Pode ser feito a dois, três ou em uma grande confusão. Nos tornamos apenas corpos sem emoção?

Talvez não. Ainda tem gente que não desiste nunca e que faz “dar certo” buscando ajuda em mais linguagem. É quando surgem aqueles livros que falam a respeito de “Casais felizes”, “Eles gostam disso e elas daquilo”, “Os homens são de Marte…” e por aí vai. Afinal, tentar explicar o amor é a maneira mais fácil de nos aproximarmos desse grande enigma. Falar sobre as 10 maneiras de ter um casamento feliz é ser um pouco Deus. E talvez nem ele tenha as respostas. Afinal, homens e mulheres são tão distintos, reagem de maneiras tão diferentes que a insistência no sexo só pode ser explicada pelo puro e simples tesão.

Mas ter uma relação sexual em que, pelo menos por alguns segundos, as almas estejam conectadas, é sim, o grande sonho dos amantes. Afinal, o ato em si é a parte fácil. Pode ser feito por completos desconhecidos, de maneira automática, mas ainda não inventaram nada mais excitante do que aquele toque exato e o sussurro perfeito na hora do gozo, que só aquela pessoa que realmente te conhece faz aflorar. Mesmo que seja por alguns segundos. É pleno.

Mas é claro que isso não basta, pois temos toda uma vida maluca além do sexo. A pele fica linda uns dois dias, os olhinhos brilham, mas todas as outras bobagens que rodeiam o relacionamento estragam até o mais perfeito peeling. A grande questão é que nada pode nos deixar plenos além de nós mesmos. Nem o sexo e nem o amor. Eles nos dão momentos de alegria, mas também muita dor e decepção. Antes de embarcar em um novo relacionamento, pense sempre na tal imperfeição. E tenha uma vida rodeada de amigos e objetivos, para ser feliz por si, completa em suas verdades e  pronta para a diversão. Se você aceitar que estar ou não com alguém é apenas um up, tanto o sexo, como o amor,  serão mais uma fonte de inspiração.

Quer namorar comigo?

Talvez seja o fato do dia dos namorados estar chegando que uma dose de romantismo cavalar tem abalado os meus dias. Que, talvez mais do que nunca, eu esteja realmente querendo alguém com quem possa compartilhar sonhos, momentos gostosos e arrepios na nuca. Que eu queira sossegar a alma, deixar o coração solto e me arriscar de novo.

E isso dá medo. É muito mais fácil fingir que não me importo, dar uma de durona ou simplesmente continuar acreditando em Manoel Bandeira, quando diz que “os corpos se entendem, mas as almas não.”  E ser de quem me quer ou de quem eu escolho, sem futuros planos ou promessas vãs.

É muito mais fácil seguir solta pela vida, sem dar satisfações ou fazer joguinho, sem hora nem motivo pra voltar. Ser só.  E só.

Mas tem hora que o corpo quer mais. Não mais sexo, mas talvez outro abraço. O corpo quer sentir o mesmo cheiro, ter a compreensão dos braços, a percepção dos olhares, a certeza do carinho no depois. Sentir segurança no beijo que simplesmente representa carinho e poder contar com o respeito de quem está disposto a dividir a vida.

Posso ser uma alma livre, mas sinto falta de amarras soltas. Aquelas que me permitem voar, mas sabem a hora certa de me fazer voltar. Uma pessoa que entenda os meus impulsos, mas que tome conta dos meus passos e esteja presente quando a fome do seu beijo apertar. Que não me prenda por obrigação, mas que me queira em momentos de inspiração. Sou condenada a ser livre, mas talvez alguém possa ser a minha melhor prisão.

Que venha o dia 12!

 

Relacionamento aberto ou excesso de informação?

Muito se fala hoje no tal do relacionamento aberto. Namorados, ficantes, casados. Todo mundo parece que aderiu a nova onda. E comecei a me perguntar o porque dessa moda. E me lembrei de um discurso fantástico de Xico Sá e Mario Sergio Cortella onde eles diziam que vivemos com um excesso tão grande de informações, que vai se sobressair quem conseguir filtrar o que realmente importa. Se nem jornais  – antes renomados – conseguem divulgar só o que interessa, devemos ser reais curadores do que nos é mostrado.

E se colocarmos isso no mundo dos relacionamentos, começamos a entender a dispersão atual. Quando entramos em um site e ele não nos oferece o que desejamos, mudamos para outra tela com um simples clique. Da mesma forma, se um pretendente nos dá um bolo ou não beija bem, temos aplicativos vários ao alcance das mãos para encontrar um outro príncipe encantado. Simples assim.

E isso tudo é muito novo. Há uns 30 anos atrás, para se conhecer alguém era necessário esperar uma festinha. Normalmente a turma da escola fazia aquela famosa onde as meninas levavam os doces e salgados e os meninos os refrigerantes. Já começava errado, mas tudo bem. E esperávamos essa festinha com o entusiasmo de uma manhã de Natal. Lá, tínhamos sempre os preferidos e esperávamos ser tiradas para dançar. O que quase nunca acontecia comigo, mas tive momentos de sorte.

Se o números de telefones eram trocados, esperávamos ansiosas o aparelho – fixo, único, que ficava no corredor da casa – tocar. E o pai não atender. No meu caso, como me chamo Caroline, todo mundo que ligava procurando a Carol tinha o seu acesso negado. Meu pai simplesmente dizia que não tinha ninguém lá com esse nome e meu príncipe encantado se amedrontava e subia novamente no seu cavalo branco. E partia. Será que algum deles era o meu pretendido?

E eu esperava novamente outra festa, onde talvez estivesse mais atraente, mais interessante e até mesmo mais esperta para depois atender ao telefone na frente do meu pai. Ou alertar o garoto a falar o meu nome completo. Hoje, nome é apenas um mero detalhe.  Ficamos, desficamos,  não queremos aprofundar em nada e o máximo que rola é mais um número no whatsapp.

Se na minha épocas as TV’s nos mandavam dormir a meia noite, com uma série de listras coloridas, hoje nossos celulares nos acordam no meio da noite com mais uma mensagem surgida sei lá de onde. O facebook que atualiza, um novo grupo que surge e milhões de pessoas se conectam sem cessar. Ser fiel como? Pra que? O mundo é vasto e cabe na palma da minha mão. E me esqueço de ser curadora do meu próprio coração.

O fim da fossa – e viva o amor slow!

 Não, não. Esse não é um texto de auto ajuda, muito menos um manual de como superar o fim de um relacionamento. É a constatação pura e simples do que vem acontecendo nos dias de hoje. O fim desse período de fossa, em que homens e mulheres ficavam deprimidos, tristes, comendo sorvete e vendo filmes românticos na TV esperando o próximo amor chegar. Ok, mais mulheres do que homens faziam isso. Mas, de qualquer forma, acabou.

Claro que ainda tem gente que sofre por um grande amor perdido, mas o tempo de espera entre um romance e outro acontecer diminuiu ao máximo. Acho que pelo excesso de maneiras de se encontrar pessoas, pela agilidade dos dedos e fotos nos whatsapps, tudo ficou rápido e fácil demais. O amor da sua vida se torna mais um em um piscar de olhos e outro surge de maneira quase instantânea em um próximo aplicativo. Somos incapazes de amar de verdade?

Acho que a falta de tempo e o excesso de informações criou em nós uma quase insensibilidade. Nos tornamos excessivamente práticos  porque não temos tempo a perder. E muito menos com coisas do coração. Não dá para ser sensível e eficiente, precisamos estar à frente do nosso tempo e nada pode nos atrapalhar. Sofrer por amor? Perda de tempo.

E vamos construindo grandes vazios que nunca conseguirão nos satisfazer plenamente. Se estamos frustrados no casamento, preferirmos arrumar um amante a conversar e esclarecer a situação. Se levamos um bolo ou terminamos um relacionamento, simplesmente procuramos o próximo entre os contatos do facebook ou brincamos com as fotos do Tinder. Se a semana tem 7 dias, porque ter só um?

Entramos e saímos de relacionamentos abertos, namoros, compromissos e até mesmo casamentos com a mesma facilidade e rapidez. Nada mais parece realmente importar, não faz diferença. Uma simples ficada pode ter até mais valor do que um relacionamento que já dura anos, pois o desrespeito não escolhe status. Alianças, fotos do casal no facebook, filhos…pura ilusão.

Mas eu ainda acredito que, como tudo nessa vida que teve seu momento fast, o amor vai voltar a ser slow. Consumimos roupas, alimentos e pessoas em uma velocidade voraz, mas já percebemos que, para ser sustentável, temos que degustar. Saber de onde veio uma roupa, preparar um alimento com carinho, tratar o bem amado como se fosse para sempre. A vida é um ciclo e chegamos ao limite da loucura. Precisamos suspirar mais, curtir contatos doces, parar um pouco.

Eu já parei de comprar Forever 21. Parei de comer Mac Donalds. Só falta me apaixonar.